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Corpo na Mídia e a Indústria da Beleza

A partir do corpo, o homem tem a capacidade de se lançar à vida e às suas aventuras. Modifica-o e o adapta, de acordo com a conveniência do meio e com as pressões externas sobre ele.

Introdução

A partir do corpo, o homem tem a capacidade de se lançar à vida e às suas
aventuras. Modifica-o e o adapta, de acordo com a conveniência do meio e com as
pressões externas sobre ele. Evidentemente, a leitura que o mundo faz desse corpo
varia, de acordo com o observador, e é baseado nessa oscilação que o corpo ganha
ou perde características essenciais para a sua própria manutenção.
A mídia, por sua vez, ressignifica constantemente o corpo com novos
parâmetros de construções e referenciais. As performances culturais são
estruturadas, desenvolvidas e disseminadas constantemente; em geral, de forma
implícita.
As alterações dos corpos variam de acordo com a cultura em que estão
inseridos. Buscas por praticar exercícios e possuir uma boa alimentação são frutos
da exarcebação do corpo oriunda, em especial, a partir da década de 80. O corpo
não mais é visto sob o olhar puramente orgânico.
Peruzzolo já nos alertava que é fundamental ter em mente que a “figuração do
corpo humano como dispositivo de produção de sentido, na mídia e fora dela, não é
algo isolado nem no tempo nem no espaço e não está aí sequer por vontade
expressa de ninguém nominável.” Como produto cultural do tempo das mídias, “o
fenômeno está sujeito ao jogo das forças inomináveis dos processos sócio-históricos
que constroem a cultura e possibilitam a sua integração nela, fazendo a sua
vivência”.1
Assim, então, as representações do corpo são múltiplas, sendo de difícil
diagnóstico o isolamento de apenas uma perante as outras. Podem, portanto, ser
entendidas como uma “entidade multifacetada que compreende as dimensões física,
psicológica e social”.2

1 PERUZZOLO, Adair C. A circulação do corpo na mídia. Santa Maria: Imprensa Universitária, 1998,
p.12.
2 BECKER, Benno. El cuerpo y su implicancia em el area emocional. Lecturas: Educacion Física y
Deportes. Revista Digital. Buenos Aires, Ano 4, n.13, mar.1999, p.1.

A indústria cultural da beleza e da mídia

A sociedade contemporânea tem como uma de suas características principais
os interesses do sistema capitalista. Tais vontades são difundidas de inúmeros
meios, visando tanto à reprodução quanto à produção do status quo. O fetiche da
mercadoria é a principal isca dos capitalistas e, nesse cenário, a indústria cultural da
beleza e da mídia se consolidou como um constituinte perfeito.
Segundo Baptista, “a ‘indústria cultural’ pode ser entendida como um
instrumento de pressão da sociedade sobre o indivíduo através da utilização de
elementos culturais que se tornam acessíveis pelo cinema”, pela televisão, rádio,
revistas e por outros meios de comunicação de massa. Esses são “utilizados como
formas de cooptarem os indivíduos para uma atuação de acordo com os interesses e
as necessidades do modo de produção, fazendo a lógica industrial prevalecer”, ao
contrário do que majoritariamente se pensa, “não apenas nos momentos de trabalho,
como também nas horas de repouso de cada pessoa”.3
Adorno e Horkheimer foram, possivelmente, os primeiros que perceberam que
a nossa sociedade capitalista busca controlar o sujeito também em sua vida privada,
usando desde programas de televisão que agradem ao trabalhador até tentativas de
fazer com que ele realize seus desejos, ainda que inconscientemente. Afirmam ainda
que na era da estatística, “as massas estão muito escaldadas para se identificar com
o milionário na tela, mas muito embrutecidas para se desviar um milímetro sequer da
lei do grande número.”4

Esse processo de convencimento das pessoas perpassa também os
objetivos que a indústria cultural possui, o que pode ser dividido em
quatro grandes objetivos: a cooptação permanente dos indivíduos; a
massificação; a geração de bens de consumo e; a identificação
imediata com os bens de consumo.
Enfim, todos esses objetivos da indústria cultural tendem a manter
uma certa condição para o modo de produção capitalista que afeta
uma esfera importante da vida humana: o próprio corpo.
Esta sociedade é direcionada por uma concepção de corpo que, é a
noção de um corpo reto e, em nosso entender, também um corpo
magro. E não apenas isso. O corpo deve possuir algumas outras
3 BAPTISTA, T. J. R. Procurando o lado escuro da lua: implicações sociais da prática de atividades
corporais realizadas por adultos em academias de ginástica de Goiânia. Dissertação (Mestrado em Educação
Brasileira) – Universidade Federal de Goiás,Goiânia, 2001, p. 74.
4 ADORNO, T.; HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de
Janeiro: J. Zahar, 1985, p. 135.

características, entre elas a juventude, a cor branca e um perfil
social que compreendemos empiricamente como o da classe média.
Destarte, ao se considerar este modelo de corpo como a referência,
a indústria cultural, como um polvo mutante, cria novos braços,
estratégias e ramificações e, mantendo sobretudo os seus objetivos,
subdivide-se em duas indústrias distintas: a da beleza e a do
emagrecimento. A Indústria da Beleza e a indústria cultural, como
mencionado, têm como referências a geração e a venda de bens de
consumo, assim como a cooptação dos indivíduos. Nessa
perspectiva de elaboração de promessas que não se cumprem, está
é uma que é permeada pela idéia de beleza (e, conseqüentemente,
de estética, tema que será bem abordado posteriormente) e de
jovialidade. Afinal, na sociedade atual, não basta ser lindo e
produtivo, aspecto fundamental no desenvolvimento do modo de
produção capitalista, mas se faz concomitante a essas idéias a
noção de juventude e, conseqüentemente, a de bem-estar, fato
traduzido na atualidade por termos como saúde e qualidade de vida,
embora nem mesmo a literatura estabeleça um consenso sobre este
último termo.5

O elixir da beleza e do não envelhecimento são as promessas de que a
indústria da beleza se apropriou, como sub-ramo da indústria cultural. Diversos
setores que anteriormente se mostravam desimportantes são hoje alvos de
constantes tentativas de convencimento por parte da mídia.
Como ressalta Marino, “a beleza, antes adquirida por obra da natureza, agora
pode e deve ser conquistada, e é necessário gastar muito para isso”; uma vez que “é
apresentado como possível a todos, os objetos do desejo são alcançáveis aos olhos
do mercado e disponíveis nas prateleiras das inúmeras lojas”, ressaltando os
objetivos da Indústria Cultural e, além disso, auxiliando “na impregnação do anseio
de buscá-los. Porém, não são todas as pessoas que obtêm acesso a estas
prateleiras tão grandiosamente recheadas”.6

. Prospera, assim, a indústria da beleza,
e os jovens, cada vez mais preocupados em manter este padrão de aparência e não
envelhecerem, vão se mostrando ótimos alicerces.
Há quem diga que esse é apenas um problema temporário, pois, obviamente,
não são todas as pessoas que podem pagar por essa beleza eterna.

5 ALMEIDA, Ana Carolina Neto de; CARNEIRO,Claudine Heleodoro; ARAÚJO, Danuza R. de;
SANTOS, Fernando Pereira dos; VIEIRA NETO, João Martins; MARINO, Mirna A. Pedatella; MENDONÇA,
Nádia de Oliveira; REIS, Rafaela Silva Gonçalves dos; BAPTISTA, Tadeu João Ribeiro. Corpo, estética e
obesidade: reflexões baseadas no paradigma da indústria cultural. Estudos, Goiânia, v.33, no 9/10, set/out de
2006, p.793.
6 MARINO, M. A. P. O culto ao corpo. Monografia (Graduação em Educação Física) – Eseffego,
Goiânia, 2005, p.33.

Se, por um lado, na tradição marxista, se considera que é a
produção que determina o consumo, até mesmo o de determinados
tipos de beleza, por outro pode-se considerar que não há a
possibilidade de que esses bens estejam acessíveis a todos.
Por isso, o padrão de beleza pode contribuir para determinar a
classe social de origem. Ainda há mais do que isso, pois a promessa
não cumprida não sublima, mas reprime.
É extremamente interessante perceber que os males da
modernidade dizem respeito a vários aspectos, entre eles o
desenvolvimento de diferentes endemias e epidemias que
ciclicamente assolam a humanidade.
Uma das principais epidemias atuais, muito citada, é o excesso de
peso, especialmente quando ele está vinculado à demasia da
gordura subcutânea, o que, por sua vez, propicia o
surgimento de um outro ramo da indústria cultural: a indústria do
emagrecimento.7

A indústria do emagrecimento é considerada por muitos não apenas uma
subdivisão da indústria da cultura, mas também da indústria da beleza,
principalmente se se considerar que, na sociedade contemporânea, só é belo o
magro.
Segundo Soares, o corpo atual tem que ser, antes de tudo, reto,
preferencialmente anoréxico.8 Além disso, como bem diz Carvalho, os padrões de
beleza são os artistas do cinema e da TV e, como eles (ou, ao menos, os que são
considerados bonitos) são magros, fica essa impressão para o espectador.9
Assim, está criada a indústria da beleza, que se pauta justamente na
manutenção do peso (para os já magros) e na perda dele (para os obesos). Como
diz Mendonça, “as mudanças tecnológicas, a idéia de consumo, a política de
mercado, a indústria cultural e a indústria do emagrecimento jogam para o indivíduo
a responsabilidade” por seu bem-estar e qualidade de vida, através da manutenção
“desse ‘corpo-objeto’, donde o ‘principal’ propósito da manutenção do corpo interno
se torna a valorização do corpo externo” já que quanto mais próximo o corpo estiver
das imagens veiculadas pela mídia, “de saúde, boa forma e beleza, mais alto é seu
valor no mercado – seu valor de troca”. Por isso, “a população de pessoas obesas
representa o alvo principal para os meios de comunicação em massa, que
7 ALMEIDA, Ana Carolina Neto de; CARNEIRO,Claudine Heleodoro; ARAÚJO, Danuza R. de;
SANTOS, Fernando Pereira dos; VIEIRA NETO, João Martins; MARINO, Mirna A. Pedatella; MENDONÇA,
Nádia de Oliveira; REIS, Rafaela Silva Gonçalves dos; BAPTISTA, Tadeu João Ribeiro. Obra citada, p. 794.
8 SOARES, C. L. (Org.). Corpo e história. Campinas: Autores Associados, 2001, p. 3-23.
9 CARVALHO, Y. M. Cultura de consumo e corpo. In: I CONGRESSO REGIONAL SUDESTE DO
CBCE. Anais … Campinas: Oficinas Gráficas da Universidade Estadual de Campinas, 1999, p. 244.

promovem a imagem da esbelteza e de como a gordura é indesejável”. As indústrias
de cosméticos e de vestuário também perpetuam essa imagem. “A sociedade
frequentemente classifica os indivíduos obesos como sem controle e indulgentes ao
extremo. A obesidade é vista como uma doença auto-inflingida”. 10

No entanto, pode representar mais um problema estético e moral do
que de saúde física. O fato de ser obeso pode provocar uma queda
no status social e a aceitação do indivíduo, prejudicando-o no
aproveitamento escolar, na contratação de empregos e,
consequentemente, nas promoções. Além disso, há que se encarar
as questões de ordem prática, como o comprometimento dos
relacionamentos de ordem afetiva e sexual, o fato de que uma maior
porcentagem da renda familiar tem que ser destinada a gastos de
alimentação e vestuário.
Também é importante considerar que a maioria dos lugares são
muito pequenos para acomodar confortavelmente os indivíduos
obesos.11

São, acima de tudo, estes fatores citados que conferem a característica de
feio à pessoa obesa, até porque, segundo convenções sociais temporais, é possível
considerar que a obesidade e até mesmo o sobrepeso são discriminados, ou mais
que isso, são totalmente abdicados pela distância que apresentam em relação ao
padrão estético.

Apropriação da definição do corpo pela mídia e pela tecnologia: corpo como mito

Atualmente, o pensamento tecnológico superou e substituiu a lógica biológica
no que tange a regência do corpo. Procriação e fertilização são alguns dos exemplos
de apropriação do corpo pela tecnologia. Antigas limitações são superadas (ou, para
outros, antigas habilidades, esquecidas) e a rapidez que o mundo tecnológico
oferece é cada vez mais utilizada pelo corpo humano.
Através do micro-computador (difundido a partir da década de 90), é possível
determinar, com algum grau de precisão, desde como ficará o rosto da pessoa que
deseja submeter-se a uma cirurgia plástica até qual será a aparência do indivíduo
determinados anos depois.

10 MENDONÇA, N. de O. Saúde, obesidade e indústria cultural: implicações para o surgimento da
indústria do emagrecimento. Monografia (Graduação em Educação Física) – Eseffego, Goiânia, 2005, p.25.
11 Idem.

O corpo é fundamental na estrutura publicitária tecnológica, com grande
influência da grande mídia. Ele é, geralmente, sensual, jovem, branco, proporcional,
risonho e agradável, além de, é claro, não desalinhar, suar ou cheirar mal jamais.
Congelado na utopia, esse corpo é o retrato do ideal publicitário e,
consequentemente, da população que compra essa imagem como desejo próprio.
Os corpos midiáticos, por serem mitos, “não são um reflexo das condições em que
vive a grande maioria do povo”, mas apenas uma síntese metafórica sofredora de
seguidas seleções e “transposições” de características que serão selecionadas no
decorrer dos tempos, para a frustração dos sonhadores.12
Este corpo idealizado age miticamente, selecionado e “construído num espaço
de relações e confrontos entre as culturas”, de preferência a opressora, isto é, a
consumidora, que possui capital suficiente para comprar. “Tal corpo movimenta-se
articulando e costurando, no conjunto de práticas corporais, as peculiaridades que
identificam seu povo” tanto no passado quanto na atualidade.13
Quando sai de seu estado congelado em papel, o corpo também representa
um ideal sempre parecido.

Para compreender os caminhos deste corpo midiático em sua
dinâmica social, é preciso observar o corpo em performance. Fica
evidente que o movimento de corpo presentifica a manutenção do
gesto. A performance modelar aponta para normas de valores e
condutas; uma síntese de práticas corporais aceitáveis, quanto à
adaptação social. Sua performance revela, além de um fim em si
mesmo, a venda do desejo. Desta forma, para que tenha eficiência,
restaura costume e espaço, ao apresentar seus padrões estéticos e
simbólicos. O corpo midiático em performance, além de tornar-se
objeto da ação descritiva do mito, é também, e principalmente, a
própria performance, um fim em si mesmo, na condução do desejo e
compra. O que se observa é a presença de comportamentos
duplamente restaurados, e trazem em sua ação possibilidades de
recriação do velho, só que com filtros. Ao acontecer, o corpo na
publicidade apresenta duplamente a performance corporal da cultura
que o criou, tanto uma eficiente ferramenta e forma de legitimação
da identidade abstrata e coletiva – o mito, como também uma
performance estética do jogo formal que acontece num tempo e
espaço.14

12 CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas Híbridas. São Paulo: Edusp, 1997, p. 170.
13 ZENICOLA, Denise Mancebo. Samba de Gafieira: performance da ginga. Tese de Doutorado. Centro
de Letras e Artes, UNIRIO. Não publicado, 2005.
14 Idem.

Uma determinada mitologia é adotada pela performance do referido corpo
midiático, de forma a reproduzir anseios inerentes da sociedade pós-moderna. A
mídia e a tecnologia colocam a perfeição como ideal a ser alcançado por cidadãos
imperfeitos. Parafraseando Jack Zipes, “o resultado inevitável dos contos-de-fada
mais midiados-massificados é a reconfirmação feliz do sistema que as produz”.15
Para Zenicola, as mídias, ao contrário do que se pensa, não aumentam o
controle do corpo pela sua exposição. “O que se observa é que a exposição do
‘corpo perfeito’ na mídia tem ação limitada, embora produza certo conjunto de
informações e reproduza as relações dominantes de poder”, e que as mídias
“articulam narrativas culturais sobre o corpo, exigem a interface entre o corpo real e
a mídia que o reinventa”. Assim, o corpo midiatizado, “já um aparato sensível, não
mais simplesmente imita ou representa a realidade – ele virtualmente é recriado”. Os
ditos “formadores de opinião”, sustentados pela mídia, ocupam uma posição
privilegiada neste contexto, na medida em que propagam as bases discursivas
responsáveis pela atribuição de determinadas características a estes corpos – em
outras palavras, suas manifestações discursivas, articuladas com uma série
determinada de parâmetros ou legitimadas porque pertencentes a uma determinada
área (por exemplo, a moda), tendem a circular pela sociedade de modo a estruturar
uma grande rede de consensos. Os formadores de opinião são “os detentores
legítimos dos instrumentos de avaliação disso que escapa à razão. Rejeitam-se
avaliações externas como forma de garantia da autonomia dos instrumentos de
criação e avaliação próprios à área”16
.

Apesar de tais “avaliações externas” comparecerem de maneira
desqualificada em relação à avaliação “legítima” (sic) dos formadores de opinião,
Zenicola frisa ainda que “a diferença entre a realidade construída nos mundos da
mídia e a realidade construída no mundo cotidiano traz nova indagação.”17 Ou seja,
quando confrontados os ideais vinculados pela mídia e a experiência que se tem da
realidade, emerge uma lacuna, uma distância que termina por causar certo

15 “The instrumentalization of fantasy: fairy tales and the mass media”, por Jack Zipes, em Kathleen
Woodward (ed.) The Myths of Information: Technology and Postindustrial Culture. (Madison, WI: Coda, 1980)
88-110. A citação foi retirada da página 101.
16 BERGAMO, Alexandre. O campo da moda. Rev. Antropol., São Paulo, v. 41, n. 2, 1998 .
17 ZENICOLA, Denise Mancebo. Obra citada.

estranhamento e mal-estar, especialmente na proporção em que o real não
corresponde a esse ideal.
A beleza banalizada é consumida pelas pessoas – especialmente as mulheres
– como um ideal dificilmente alcançado. Dessa forma, a publicidade não apenas
vende o produto como também os conceitos que a população desejará.
Para Kellner, “a propaganda está tão preocupada em vender estilos de vida e
identidades socialmente desejáveis, associadas a seus produtos, quanto em vender
o próprio produto”. Os publicitários “utilizam constructos simbólicos com os quais o
consumidor é convidado a identificar-se para tentar induzi-lo a usar o produto
anunciado”.18 No documentário The Corporation (do qual participam, dentre outros,
Noam Chomsky), produzido em 2003, é possível vislumbrar o processo pelo qual isto
acontece, inclusive mediante depoimentos de altos funcionários ligados à área de
marketing e relações públicas de grandes corporações, como a Walt Disney e a
Shell. Em um claro apelo ao “sonho americano”, a Walt Disney vem construindo
condomínios fechados, onde além de casas, encontram-se restaurantes,
estabelecimentos de lazer e comércio como parques, lojas. A imagem vinculada pela
propaganda mostra crianças correndo na neve, famílias felizes passeando pelas
ruas, indivíduos de boa aparência e bem-sucedidos. Em outros termos, ao comprar
uma casa no condomínio Disney, o que se adquire não é apenas um imóvel: é o
verdadeiro sonho americano, onde se observa também notável valorização da
instituição familiar. Um outro exemplo, bastante cotidiano e que ilustra bem este fato
são as propagandas de cremes dentais ou desodorantes: ao comprar uma
determinada pasta, o que se adquire é tão somente a higiene bucal, mas também um
sorriso branco e brilhante acrescido de um hálito refrescante, garantia de um beijo
“irresistível”. Ao produto, atribui-se uma vida amorosa bem-sucedida. Em suma,
trata-se de uma relação dinâmica, que depende da articulação entre ideal propagado
acerca do “corpo ideal” com a “vida ideal” e os “produtos ideais” que patrocinam os
dois primeiros – articulações estas que podem assumir múltiplas variações, conforme
os valores, o meio sócio-cultural passam por transformações. Desta forma,

18 KELLNE, R, Douglas. A Cultura da mídia – Estudos culturais: identidade política entre o moderno e o
pós-moderno. Bauru, SP: EDUSC, 2001, p. 324.

As representações do corpo na publicidade se desenvolveram não só
devido à evolução técnica do meio publicitário, mas estiveram em
consonância com as concepções de beleza próprias de cada época
(…)A imagem da beleza também varia de acordo com o que era a
situação política e cultural de cada época, e a representação de cada
época tenderá a retratar mais quem tem mais participação econômica
e cultural, uma vez que representam uma demanda mais expressiva.
Também é possível perceber a maior versatilidade na imagem
corporal, no sentido em que esta pode ser mudada mais
rapidamente.19

Gonçalves Junior vai além, quando afirma que “a pressão dos meios de
comunicação é tanta que, se outrora era apreciada a mulher de formas mais
arredondadas”, atualmente “seu corpo deve ter o próprio ‘molde’ incutido (como se o
corpo fosse a própria roupa), seja por horas a fio de ginástica ‘modeladora’ e
regimes, por técnicas de intervenção da denominada cirurgia estética” ou até
mesmo, ele afirma, “por meio de drogas não devidamente testadas”.20
A tecnologia, principal símbolo da chamada era da informação, alia-se de
forma inseparável com a grande mídia nessa pressão de encarceramento da beleza
feminina.

Chamaram-lhe a era da informação. E também da comunicação. No
tempo em que vivemos os mídia adquiriram um poder esmagador e
a sua influência é
multifacetada, podendo ser usados para o bem e para o mal. As
mensagens que neles passam apresentam uma miríade de valores,
uns positivos, outros negativos de difícil discernimento para aqueles
que, por razões várias, não desenvolvem espírito crítico,
competência que inclui o hábito de se questionar perante o que lhe é
oferecido.21

A mídia e a indústria da beleza, como disse Castro, são aspectos que

estruturam a prática do culto ao corpo. “A primeira, por mediar a temática, mantendo-
a sempre presente na vida cotidiana”, levando ao leitor as novidades e descobertas

tecnológicas e científicas mais recentes, “ditando e incorporando tendências. A
segunda, por garantir a materialidade da tendência de comportamento”.22
19 SOUZA, Tarcila Mercer. Imagens do Corpo na Sociedade: Interfaces entre Cultura e Consumo.
Dissertação. (Bacharelado em Comunicação Social). Escola de Comunicação e Artes. Universidade de São Paulo
(USP). São Paulo, 2007.
20 GONÇALVES JUNIOR, Luiz. Cultura corporal: alguns subsídios para sua compreensão na
contemporaneidade. São Carlos: EDUFSCar, 2003a, p.30.
21 ALARCÃO, Isabel. Professores reflexivos em uma escola reflexiva. São Paulo: Cortez, 2003, p.13.
22 CASTRO, Ana Lúcia de. Culto ao corpo e sociedade: Mídia, estilo de vida e cultura de
consumo. São Paulo: Annableme, 2003, p.108.

Conclusão

Paralelamente à assexualidade ética que as mídias promovem como padrão
comportamental, há também uma via dupla entre o desejo despertado e o corpo
criado. Zenicola responde como esse diálogo se dá de forma tão bem elaborada:
Tal como uma superfície reflexa, este corpo midiático é parceiro
projetado dos desejos do outro corpo, o real, que o sustenta; o
midiático está dentro do complexo do que é o corpo vivo. O que se
percebe é que este corpo, criado na mídia, funciona como um corpo
mítico dos deuses, no caso deuses da mídia, e está latente e
pulsando no imaginário coletivo. Quando se repete um fazer
publicitário, beber determinada marca de água, por exemplo, a
publicidade visa e alcança o corpo real, que estará sendo saciado.
Estas justaposições – dos ‘efeitos da realidade’ e das demonstrações
reais – sugerem que a cultura do corpo na mídia é ativamente
engajada no trabalho de processamento de significados culturais.
Afinal, o prazer do reconhecimento é alto, a atitude apropriada
mostra quem você precisa conhecer/ler/comprar para ser um
membro, nem que seja por imitação apenas.23

Para Guattari, “singularidades” e “cultura de massa” são termos que jamais
podem ocupar o mesmo sentido numa frase, sendo totalmente incompatíveis entre
si.24
Dada a inexistência de uma realidade única, temos que os desejos
manifestados na mídia variam de acordo com quem os programa. Cria-se uma ilusão
acerca da natureza, da realidade e do corpo real que, por indisciplina, cedeu aos
seus sinais de gênero e raça.
As mudanças sociais são mais consequências que causas da performance do
corpo midiático, uma vez que a mídia apresenta o corpo idealizado e não aquele que
o leitor ou espectador tem, de fato. Existem evidências suficientes que indicam que
uma identidade cultural reconstruída não é garantia de um corpo reconstruído.
Apesar de as tecnologias midiáticas oferecerem um novo estágio para a performance
e construção de identidades baseadas no corpo, velhas identidades parecem
continuar a ser mais confortáveis e mais constantemente reproduzidas.

23 ZENICOLA, Denise Mancebo. Obra citada.
24 GUATTARI, Félix. ROLNIK, S. Micropolíticas: cartografias do desejo . Petrópolis: Vozes,
2000, p.39.

Bibliografia

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